Estadão Conteúdo
A decisão do Senado de permitir que Dilma Rousseff possa exercer
cargo público mesmo após ter sido cassada provocou um novo racha na base
aliada do presidente Michel Temer, que toma posse como presidente nesta
tarde. Parlamentares do PSDB e DEM acusam o PMDB de ter feito um acordo
para "livrar" Dilma e amenizar a sua pena por crime de
responsabilidade.
O atual líder tucano na Casa, Cássio Cunha Lima (PB) chegou a dizer
que está "fora do governo". O discurso, porém, foi suavizado pelo
presidente da legenda, senador Aécio Neves (MG), que considerou que "a
questão essencial foi resolvida". Mesmo assim, Aécio diz que a decisão
de hoje causa "enormes preocupações".
Ontem, Temer chegou a ser consultado por aliados sobre a
possibilidade de separar a condenação de Dilma e, "como jurista", deu
aval, segundo um senador do partido que o consultou. Nesta quarta-feira,
o PSDB votou em peso contra a possibilidade da presidente deposta
manter a possibilidade de assumir um cargo público. Por outro lado,
peemedebistas expressivos, como o presidente do Senado, Renan Calheiros
(AL), votaram a favor da petista. Lideranças da antiga oposição
consideram que Renan teria sido um dos principais responsáveis por
intermediar as negociações.
O líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), adiantou que vai recorrer da
decisão na Justiça. "O que aconteceu hoje foi algo inédito, foi uma
manobra constitucional. Daqui a pouco Dilma vai virar presidente da
Petrobras. Vai virar ministra de Estado? Isso é inadmissível. Vamos
recorrer ao Supremo", declarou Caiado. O senador considera que a questão
de ordem que possibilitou o "fatiamento" da pena jamais poderia ter
sido aceita pelo presidente da sessão, o ministro Ricardo Lewandowski.
"Houve um acordo entre PMDB e PT que nos preocupa", disse, completando
que o presidente do Senado com certeza participou das conversas.
Líder do PSDB no Senado, Cássio acusou o PMDB de costurar um acordo
"na surdina" com a base dilmista para livrar a petista da proibição de
se candidatar a cargos eletivos e exercer outras funções na
administração pública. O objetivo, segundo ele, seria a aplicação do
mesmo entendimento no processo de cassação do deputado afastado Eduardo
Cunha (PMDB-RJ). "Esta votação terá repercussões na cassação do Cunha,
pelo acordo feito, como poderá ter repercussão nas relações - pelo menos
na minha - com o governo. Nós sequer fomos avisados de que havia esse
entendimento", acrescentando: "Eu estou fora do governo". O senador está
prestes a tirar uma licença de quatro meses.
O líder do PSDB criticou duramente Renan, que, em seu discurso,
justificou que a Casa não poderia ser "desumana" com a petista. "O
presidente da Casa manteve-se esse tempo inteiro silente, argumentando a
necessidade de uma distância do processo. Na undécima hora, encaminha a
votação num acordo feito com a presidente Dilma sem que nós nem
soubéssemos. O povo brasileiro não sabia do acordo, como o PSDB não
sabia", declarou. Cássio avaliou não cabe recurso das decisões do
Senado. Ele alegou que o constituinte, ao prever a inabilitação, visa
prevenir que um gestor que fez mal à administração pública retorne. "A
presidente está afastada do cargo, mas habilitada a disputar eleições em
2018. Vai poder fazer campanha a partir de amanhã."
Presidente nacional do PSDB, o senador Aécio Neves (MG) contemporizou
a divergência ao falar em "ambiguidade" nos votos do PMDB que
mantiveram a habilitação de Dilma para assumir cargos públicos. Apesar
de dizer que a decisão causa "enormes preocupações", Aécio destacou que a
questão mais importante, a destituição de Dilma, foi resolvida.
"Lideranças expressivas do PMDB votarem desta forma nos deixa enormes
preocupações. O Brasil daqui para diante não comporta mais ambiguidades.
(...) Caberia ao PMDB ter uma posição única e sólida em defesa de todo o
processo", disse o tucano. "Quero crer que não tenha havido algum tipo
de entendimento que não nos tenha sido comunicado com outras forças da
política nacional", completou Aécio.
O senador Álvaro Dias (PV-PR) também se queixou da decisão: "A
Constituição não separa as coisas. A pena da inelegibilidade é
decorrência da condenação, portanto o Senado afrontou a Constituição",
disse o parlamentar. Segundo ele o "jeitinho brasileiro" veio para
"proteger a poderosa Dilma Rousseff".
Considerado um dos principais aliados de Temer, o senador Romero Jucá
(PMDB-RR) negou que tenha havido qualquer acordo dentro do PMDB para
ajudar Dilma. Ele ressaltou que é contra a separação da cassação e da
inelegibilidade e considerou que o entendimento pode não prosperar,
pois, com a cassação, Dilma perde os direitos consequentemente perderá
os direitos políticos. "Lewandowski não emitiu juízo de valor sobre essa
questão da inabilitação porque sabia que ela vai parar no STF",
avaliou. Ele acredita que alguns peemedebistas mudaram de posicionamento
a favor de Dilma na segunda votação por sentir pena da ex-presidente.
Embora tenha minimizado a decisão, ele admitiu que o resultado "vai dar
trabalho" para Temer.
Edison Lobão (MA), peemedebista e ex-ministro do governo Dilma, foi
contra a inabilitação da petista para cargos públicos. Ele disse que não
poderia impedir a presidente de trabalhar. "O processo de impeachment
foi feito penosamente, porém não se praticou a crueldade de tirar dela o
direito de trabalhar e de viver. A própria Constituição diz que todos
têm o direito à vida. Eu não poderia votar de maneira diferente em
relação a nenhum brasileiro. Eu jamais impedirei nenhum brasileiro de
trabalhar", afirmou Lobão.